Não tinha outra forma de iniciar a minha série de posts sobre a viagem ao Vale dos Vinhedos e redondezas! O motivo é muito simples: não sei quando encontrarei novamente uma figura tão diferente e carismática quanto Vilmar Bettú! Tudo aconteceu repentinamente no último dia de viagem, quando eu já tinha esgotado as possibilidades de passeio e já havia me conformado com um sonolento sábado. Mero engano! Após encontrar de última hora, um local agradabilíssimo para almoçar (Família Vaccaro, zona rural), observei a presença de uma pequena vinícola no caminho da roça, chamava-se Vinhos Bettú. Liguei para o telefone indicado no folheto e uma de suas filhas atendeu e foi chamar o pai. "Seu Vilmar, gostaria de conhecer sua vinícola e seu processo de produção." Logo ele respondeu: "Sim, claro, mas não venha agora! Vamos deixar para às 15:00h, pois tenho que prepara tudo!" Compromisso firmado, fui almoçar e após muitos vinhos no almoço, peguei o caminho daquilo que foi a experiência enológica mais pitoresca da minha vida. Estacionei o carro em frente sua propriedade e a cachorrada fez o trabalho de anunciar nossa chegada. Logo, apareceu a figura de Vilmar: gordinho, baixinho e com um belo rabo de cavalo. "Por favor, me sigam." E lá foi o "Mestre dos magos" em direção à um porão, no qual funcionava sua pequena vinícola e nos acomodou (eu, minha esposa e minhas filhas) em uma espécie de sala de aula e degustações, com inúmeras taças e garrafas. Nos apresentou seu modo de produção e sua generosa carta de vinhos. Pegou um espulmante de produção própria, ainda sem rolha e foi abrindo. "Seu Vilmar, o senhor não vai fazer o congelamento da ponta da garrafa, para retirar as borras?". Respondeu: "Vamos beber agora, então para quê ter dois trabalhos?" Óbvio!!!!! Meu Deus, que espulmante! Aquele néctar com 3 anos de maturação, apresentava um belo amarelo dourado, com um perlage fino e abundante, aromas intensos de castanha e avelãs, boca volumosa e ao mesmo tempo leve; um verdadeiro champagne! Este produto, Vilmar não vende em hipótese alguma, pois só é utlizado para brindar aqueles que o visitam. Vilmar Bettú conversa de tudo e quer saber sobre seus visitantes. Coversamos sobre política, economia, jogos de cartas, família, filmes e claro, vinhos! Colocou um vinho branco extremamente aromático e refrescante em minha taça: "É Malvasia de Cândia!" Carnudo e fresco, similar aos grandes Gewustraminer da Alsácia e Alemanha. "Experimente este aqui!" Serviu um tinto violáceo escuro, quase intransponível, com intensos aromas de violeta e frutas em compota. "Que vinho é este, Vilmar?" Respondeu: "É um malbec." Tá de sacanagem! O vinho lembra muito um bom Achaval Ferrer! Papo vai, papo vem e, ao falarmos de Pinot noir, ele pergunta: "Você gosta de Pinot?" Exclamei que sim, já esperando algo bom, mas o quê veio foi surpreendente: ele se levantou e pediu que o acompanhasse até a sala ao lado, onde pegou uma pipeta e abriu um barril. Colocou o vinho em nossas taças e disse: "Este é um pinot de um vizinho meu. Foi elaborado seguindo as técnicas biodinâmicas e vai ser engarrafado esta semana. Experimente, sua opinião é muito importante!" Vilmar não vê vantagens no cultivo biodinâmico, mas respeita quem faz. "O quê você achou?" Respondi: "Um bom pinot, Vilmar! Ainda com madeira bem aparente, escondendo um pouco o vinho. Falta um pouco de tipicidade de Pinot borgonhês, mas é um bom vinho!" Me perguntou: "Quanto você acha que ele vale?" Respondi: "Vai depender da quantidade, apresentação e outras coisas mais!", me esquivando. Completei: "Este vinho será um sucesso de vendas, dependendo do valor cobrado!" Após este autêntico "jogo de xadrês", Vilmar me serviu um Nebiollo 2006: evoluído, macio e cativante. Ainda houve espaço para um corte bordalês muito bom. Após mais de 3 horas (sim, eu disse 3 horas) de conversa e vinhos degustados, fiz uma compra que inclui o Malbec, o Nebiollo e o corte bordalês. Insisti em uma garrafa de espulmante, mas Vilmar foi resistente em não vendê-la. "Seu Vilmar, o que você faz da vida?" Respondeu: "Faço vinhos e jogo cartas. Aliás, deveria estar lá, jogando cartas, agora." Perguntei: "Estou te atrapalhando?" Respondeu: "Não, este é o meu serviço!" Deixei sua casa, após mais de 3 horas de pura diversão e aprendizado, feliz da vida com minhas 3 garrafas embaixo do braço. Vilmar Bettú não fez enologia e tudo o quê sabe, aprendeu com seu pai e com os parrerais. Auto-didata, fez estudos sobre terroirs e é respeitado por celebridades do mundo do vinho. Já foi tema de reportagens de televisão e revistas especializadas, mas não se julga um gênio. Tem muita humildade para perguntar e ouvir opiniões e tem opinião formada sobre quase tudo, não se deixando levar por modismos. Dono de uma inteligência ímpar, sabe cativar o cliente e vender sua marca, sem ser um picareta. Suas minúsculas produções são vendidas vagarosamente e vão subindo de preço, conforme vão acabando. Quanto ao preço, alguns acham seu vinho muito caro, mas vejamos: o Malbec custa R$ 100,00, não mais que um belo malbec argentino; o corte bordalês de 2003 custa R$ 95,00, bem menos que um Bordeaux da mesma qualidade; o Nebiollo custa R$ 160,00, quanto vale um bom Barolo mesmo? Sim, seus vinhos são ótimos e valem o quanto custam. Ao adquirir suas garrafas, sei que ao abri-lás vou estar recordando esta experiência ímpar e isto não tem preço! Obrigado Vilmar Bettú, por momentos tão agradáveis e singelos. Até a próxima!
Um blog de um enófilo apaixonado pelo vinho, onde não existe relacionamento comercial com NENHUMA importadora, distribuidora ou qualquer empresa que comercializa vinhos, portanto totalmente livre para opinar, criticar positiva ou negativamente. Não tenho curso ou qualquer documento que demonstre minha técnica, apenas meus sentidos e minha honestidade. "Sigam-me os bons!"
O mundo em uma taças
Dê-me uma taça com um pouco de vinho, que
viajarei pelo mundo através de seus goles.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Excelente post. Tenho muita vontade de conhecê-lo. Obrigado pelas dicas!
ResponderExcluirVaccaro não é um restaurante e sim uma família que recebe os visitantes em sua própria casa, situada na zona rural de Garibaldi. É um programasso, pois eles são atenciosos e a qualidade da refeição é de tirar o chapéu. É aquele tipo de comida da vovó e o ambiente é bem familiar mesmo. Mas, é necessário agendar antes de ir. Há outras famílias na região que fazem o mesmo programa. Eles só recebem para o almoço e vai com o estômago vazio e preparado para comer muito e beber mais ainda. Há ainda outras opções de restaurante em Garibaldi e Bento Gonçalves, sendo que o mais conhecido e talvez um dos mais agradáveis seja o Canta Maria, ao lado do pórtico pipa, na entrada de Bento Gonçalves. Abraços!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNeste site encontrei a definição mais próxima que senti ao provar os vinhos do Sr Berttú: uma experiência impar. Muitas vezes nos deparamos com algo extraordinário e custamos a acreditar na sorte. Pensei muito sobre estes vinhos mágicos e tenho certeza que jamais encontrarei algo parecido, seja em que parte do mundo for. Obrigado Sr Berttú. Até a próxima, que espero ser breve, se o Sr puder nos receber de novo. Enquanto isto vou lembrando deste dia inesquecível com as poucas garrafas que trouxe e que me obrigarão a voltar. Felizmente. Jose Antonio.
ResponderExcluirNeste momento estou me deliciando com uma garrafa de um corte bordales de 2001. Obrigado Vilmar (Bettu) por tanto conhecimento e destreza. Magnífico. Vou buscar mais pois a Malvasia de Candia acabou.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir